domingo, outubro 24, 2010

Desequilíbrio de paz

 Engraçado como às vezes, ter equilíbrio é perder o equilíbrio. Isso é tão penoso para pessoas muito racionais, como eu. Houve um tempo, inclusive, em que eu tinha medo deste ocaso grandioso que é a vida, dessa inconstância desvairada. Pô, eu ainda peguei o tempo das cartas, dos telegramas, do pique esconde, da salada mista tímidazinha, da aflitiva e dramática consciência de onde vêm os bebês (tinha até um livro idiota- explicativo que ganhei), do picolé de R$ 0,25, do cruzeiro, caramba! Do sentar-se na porta da rua pra ver o movimento, da musica boa ressoando das caixas de som dos automóveis, do ar mais puro por aqui...É então que percebo como as coisas mudaram em pouco mais de duas décadas...hoje o delírio habituou quem estava acostumado com “banalidades”. As coisas simples ficaram tão mais simples que ninguém nem as sente, nem as vê, nem as ama.
 É por isso que eu insisto: ter equilíbrio é perder o equilíbrio. As vezes, tão somente. Viajar mais, pensar menos, amar mais, emburrar-se menos, sentir mais, mentir menos. Penhorar o coração à liberdade. O mundo é um amontoado de futilidades, mas também de utilidades. Se a vida muda, se os detalhes são, hoje, mais cheios de tecnologia que emoção e você, como eu, não se conforma muito...desequilibre-se. Perca-se, desconforme-se. Pegue a roupa mais leve e dê um passeio consigo mesmo. Não burocratize a alma.
 Sabe qual o ponto fraco/forte do equilíbrio? O amor. Ele, ao passo que confunde, salva. O amor é antiburguês. É proletário, vagabundo, irracional. O amor, quanto mais condenado à ruína, mais aproxima-se do auge...isso porque a lucidez sobre o caos da relação traz ignição forte ao coração. Mata-se e morre por amor e seu deslumbramento redundante. É a anormalidade mais normal que conheço. Um amante é um nato débil mental, visto que acredita fielmente que fará uma única pessoa feliz e será feliz, unicamente, se com ela estiver...isso, num universo de mais de seis bilhões de pessoas. Em pensar que nos amores terminados é um “quase morro” pra cá, “sem ele(a) eu não vivo” pra lá. A verdade é que o amor tem que ser sempre eterno, mesmo quando acaba. O amor não é matrimonializado, patrimonializado, não é contrato, não é ter uma casa bonita com carro na garagem e filhos brincando no lindo jardim. O amor é a irrenunciável esperança de ser livremente cativo ao outro. O amor arrebata e funda o paraíso da cumplicidade. É desequilíbrio equilibrado. Faz bem.

O equilíbrio é a paz. As vezes o equilíbrio é desequilibrar-se para ter paz. Não importa como a gente organiza a vida, se estivermos em paz...está tudo bem. Durma, acorde, ame, medite, apaixone-se, cante, dance, trabalhe, perdoe-se, respire...em paz com a vida.

sábado, maio 15, 2010

Gris


Uma crônica baseada em fatos reais, não fatos meus, mas reais.

No bar. Um jazz. Aliás, um jazz-blues-bossa nova extasiante. Eu sempre me incomodei com cheiro de cigarro, mas naquele bar, os pequenos rolos de papel manteiga sofisticado que cobriam o vil veneno deslizavam pelos lábios alheios numa harmonia colossal. Nas mãos esquerdas, garrafas de vitral verde eram a vislumbre embalagem de cerveja alemã. Nada disso me “chamava”...nem cigarro, nem cerveja, mas era algo interessante de se ver. Um bar cheio de peculiaridades. Cheio de “frescuras” como dizem alguns; contudo, os olhares, as roupas indie rock – fashion as usual, as diversidades, as pessoas, o ambiente, as cores em preto, branco e cinza, o ícone vinil e as falas nada viris me causavam uma sensação de estar fora. Fora da cidade, do estado. Preconceito meu? Sim, eu sei. Mas foi o que pensei.

A musica estava sensacional. Musica sempre me diz muita coisa, se não for boa, nada fica bom. Os amigos eram maravilhosos. Mas eram só amigos. Senti-me sozinha, boemia, com frio. Sabe aquele frio que só te sugere um longo suspiro que na verdade queria dizer “cadê alguem para me abraçar ou oferecer um casaco?”. Amigos fazem essas coisas, mas definitivamente não é a mesma coisa. E a coisa é essa necessidade insana de fazer da vida um jogo a dois. Dois indivíduos, duas dores, duas renúncias, duas musicas, dois corpos, dois multiplicado por mil preocupações. Agora me diz: pra quê? Por que? Foi então que tocaram “chasing pavements” e eu parei de pensar nessas indagações infundadas, voltei à fútil carência de cada dia. Voltei à boba sensação de viver numa comédia romântica...mamãe sempre disse que a vida não era um filme e muito menos seriado. Desejei ser atriz só pra ter o gostinho de enfeitar a existência de quermesse...puro ato farsesco de desejos contidos. Contidos, embora, essenciais.

Foi então que o vi. O vi com um copo de cappuccino gelado pedindo à banda pra tocar um pop-dance. Gostei de pronto. Eu estava de short-jeans-surrado e uma blusa leggie de marca. Ele estava lindo...do jeito que me vestiria se tivesse nascido homem: camiseta lisa marrom, calça jeans reta, quase skinner e...olhamos ao mesmo tempo como um tiro para nossos pés que, coincidentemente estavam revestidos por um “encardido” allstar. Ele sorriu pra mim, com um daqueles sorrisos de canto sugerindo uma aproximação perigosa. A distancia entre nós era considerável e eu dançava de olhos fechados, deixando a música penetrar meus sentidos e assim, não ter vergonha ou receio de ser sexy. Soltei os cabelos numa aparição cinematográfica e abri, então, meus olhos. Lá estava ele..quase do meu lado; fiquei inepta, tonta com os olhos daquele cara, tremi, oscilei os sentidos, suei e, num paradoxo àquelas sensações, deu um sorrisão grande, daqueles que todo mundo elogiava em mim. Deu certo. Ele se aproximou mais...o perfume se espalhou, arrepiei. Reparei no jeito que ele passava a mão na nuca e não sabia onde colocá-la depois; na modo como continuava a me encarar...foram uns quinze minutos de troca de olhares e nada mais. Sutilmente ele mordia o lábio carnudo inferior, umedecendo-o. Eu enlouqueci, perdi o frio, perdi a consciência, perdi a noção do tempo.

Conversávamos com o corpo, com os olhos, com os lábios. Um paralaxe de semiótica teatral. Nada farsesco, nada usual...era a tal da “química”. Ele não pediu e muito menos deixei, mas nos beijamos. Morreria feliz, era tudo o que eu queria num beijo. Ele sabia milimetricamente o que eu ansiava e eu, parecia adivinhar os desejos dele. “Surrealista, mas encantador”, frase do texto de “Um lugar chamado Notting Hill” que descreveu aquele lance. Tudo aquilo foi fluido e arrasador, insano, uma bobagem...embora bom, muito bom. Minha mente abrigava um amontoado de inutilidades enquanto conversávamos, a maxilar dolorida de tanto sorrir, deliberadamente fascinada, um bourbon.

Infeliz foi a hora de ir. Meus amigos me puxavam para fora do bar. Ele pediu meu telefone e eu o dele. Obviamente não ligaria primeiro, é a ordem natural das coisas. Segui para a porta com um carnaval no peito e um suor frio nas mãos. Entrei no carro com uma sensação de despedida do tal espetáculo vesperal de uma doce paixão. Incipiente, mas paixão. Sim, fora pueril, nada exagerado, fora tenso e ao mesmo tempo leve, refrescante. Que fazer? Talvez percorrer as ruas, ocultar a ansiedade, os objetos, ou ainda, expor-me a tudo, sem receio, sem culpa nem desculpa.

Outro dia, pela manhã. Os jornais anunciavam um assalto da noite anterior num determinado bar. No que fui. Cinco jovens feridos e dois mortos que tentavam fugir para não serem reféns. Um dos mortos: o cara que conheci, beijei, sonhei e me apaixonei. Agora, só imaginem como fiquei, não tentem sentir o que senti. De fato, um coração gris.

quinta-feira, abril 15, 2010

"O samba, a prontidão/e outras bossas,/são nossas coisas(...)"

Bem como a vida exprime a mistura e o encanto de ser unicamente plural, há, dentre outras coisas interessantes, a bossa nova. De um emaranhado de etéreas sensações, faz-se esse jazz-samba que alimenta paixões. A bossa nova, desde o seu surgimento quase que espontâneo, um paradigma musical autenticamente brasileiro, nasceu preciso..., preciso para viver. E viver, na alma do artista é revolucionar o marasmo dom de manter-se omisso. Cantar, por sua vez, é fazer uma faxina na alma e dançar é, singelamente repousar sobre um gozo fatigante. “Isso é bossa nova, isso é muito natural...”. Tropicália, bossa, clube da esquina...as eras perduram e aquecem os corações saudosos. Até quem não nasceu nesses dias tão brilhantes sufocam em nostalgia.
- Bossa nova é iguaria fina – disse o velho Cajazeira enquanto sussurrava “desafinado” e dedilhava o violão.
- Quero morrer ao som de “wave”, na beira do mar – suspirei .
- Vire essa boca pra lá menina! – retrucou – Pense em musica enquanto tiver ar nos pulmões.
- Como a musica brasileira consegue ser tão amorosa, leve e refinada hein seu Cajazeira? Eu proponho um brinde! – ri ao ver o sorriso largo de Cajazeira.
- É o prefácio Manoela, um prefácio da vida. – pronunciou em tom de voz baixo e sonhador enquanto erguia a taça de vinho.
- Boa noite, vocês me desculpem por estar interrompendo a conversa, mas é só um minutinho. – disse um rapaz que se aproximara de nossa mesa.
- Ah, pois não. – disse Cajazeira surpreso.
- Bem, não é a senhora que é a cantora? Aquela loirinha que canta? Minha filha está ali me perturbando dizendo que é você. – os olhos do homem fixaram-me.
- Cantar eu canto, mas eu não tenho certeza de que sou eu a cantora a qual sua filha se refere.
- Kelly minha moleca, vem cá! Vem ver, é ela! Sua chará! – a adolescente correu.
- Sua cha..?
- Olhe, eu não quero intrometer nada viu? Podem continuar conversando...mas será que você poderia fazer um sonzinho nesse bar? Assim, ao vivo...é que minha Kelly faz aniversario hoje e ela é sua fã sabe?
- É, talvez ela possa – disse Cajazeira rindo com o canto da boca numa expressão maldosa.
- É, talvez eu possa.
- Você se incomodaria se antes eu “batesse” uma foto de vocês duas?
- Eu...
- É pra ela colocar ampliada na parede do quarto.
- Mas..
- Você pode encostar mais pro lado esquerdo?
- É...
O flash foi tão forte que devo ter ficado com os olhos fechados na fotografia. Levantei rapidamente sem escutar mais o que o homem dizia e puxei Cajazeira comigo para o pequeno palco do bar. Cantei “samba de verão” sorrindo para a tal menina Kelly e seu pai que tanto me pirraçou. Eles pareciam felizes, embora insatisfeitos.
- Psiu! Escute! – sussurrou Cajazeira para que ouvíssemos o comentário do pai da garota já na saída do bar: “- ela não cantou ‘Barbie girl’ não é mesmo filha? Aquela que você mais gosta...” .
Rimos. Rimos e descobrimos que apesar da confusão, a fotografia pendurada na parede do quarto da moça será a da jovem cantora anônima de bossa nova. E olha que eu tentei avisar, juro que tentei. Rs.

terça-feira, janeiro 19, 2010

Inspiração.


A vida tem sido tão cool quanto um wayfarer e dias ensolarados. O mundo está tão misturado, tão desastrado e virado do avesso que anda aproximando perigosamente razão e emoção, ambos em puro e vil destaque. Os sonhos são quermesse. Os detalhes a gente compra do destino e lança sobre um dos caminhos que as escolhas permitem que a gente siga. O tempo? Esse voa. Voa tão rápido que o clichê “dê tempo ao tempo” sugere hipérboles sutis.

A verdade é que o circo chegou no meu peito. Chegou depois de um natal incomum, dizendo-me, que ia ficar. Chegou como tudo na vida deveria chegar, de surpresa. Chegou rápido, puro e simples. Depois da vã tolice de tentar explicar o coração através de etéreas presunções de auto-ajuda ambulante; veio a sensação pueril da paixão. Depois das noites de sono interrompidas por um choro contido; veio a esperança cravada num par de olhos cor-de-mel. Depois de tanto desacreditar numa proteção apartada de falsidade; surgiu um abraço que teletransporta a respiração. Depois de desistir de sublevar a alma..um beijo simplesmente a completa.

Seja bem vinda de volta, inspiração. Se trazes pra mim a contradição, que seja! Whatever! Pensar em como bossa nova e forró podem coexistir num mesmo plano, esquenta a cabeça, mas, sobretudo, o coração. O amor tem dessas coisas.