domingo, novembro 08, 2009

Divã

Na sala com um psicoterapeuta...

- Sabe, demorei pra falar sobre o amor... Não sei nem mais escrever cartas de amor, poemas de amor. Ainda que haja uma explicação para tal fato, não há racionalidade nem sequer certames, tópicos, ilustrações. Irrefutavelmente, existem coisas que eu sei que acontecerão de novo, embora eu também deseje que nunca mais aconteçam. O sobrenatural é deveras inebriante ao passo que a tragédia está sempre bem presente na vida real, irracional, etérea.

Devaneios confusos norteiam o coração. Adquiri um defeito camuflado por uma nuvem de ingenuidade sob os olhos: a ilusão alcança a todos os seres. Caso soubesse convictamente deste acaso, teria me debruçado sobre a riqueza material e imaterial; intransponíveis. Brincar com o amor tem lá suas recompensas, quer sejam boas, quer sejam ruins. O perigo, definitivamente, malogra o excitamento de um coração vaidoso. Será que eu também caí neste encantamento? Será que a decepção deixou meu ser abjeto?

É certo, pois, que não fica impune, nenhum olhar mortal sobre mim. Pior de tal fato é a ciência disto nos lampejos de meus pensamentos. Revogo o interesse físico e metafísico até que a sede cativa à paixão assenta-se cruelmente em uma desilusão, quase que circunstancial. Alem de encantar, saberia desencantar sem deixar mazelas, impregnando um rastro da mais sublime alteridade.

- Quem és? - Perguntou o Dr W.

- Sou um anjo maquiavélico encantadoramente irônico. Um inferno ético que assola o campo das emoções e sentimentos engessados ao meu redor.

- Que farás quando achares um amor?

- Não faço a menor ideia.


Para aqueles que ainda acreditam no amor, mesmo não fazendo a menor ideia de como ele virá...

domingo, agosto 23, 2009

Vicissitudes

O calor percorria meu corpo despretensiosamente naquela manhã de quinta feira. Eu estava atônita e perplexa com a mudança brusca do tempo. No dia anterior, o vento frio dava-me satisfação de um inverno reminiscente, empolgante, promissor. Se há alguma mazela que destrói meu humor e disposição para ir ao trabalho cotidianamente, isso se chama “dia quente”.
Ofegante, apontei um dos braços para que o transporte coletivo parasse mesmo depois do ponto. Estava atrasada. Era tênue a expressão em meu rosto; suada e tensa, eu me lamentava franzindo a testa por um pessimismo latejante de mais um dia estressante.
- Bom dia – eu disse num tom de extrema obrigatoriedade e eventualidade. O motorista não respondeu e me virei complexada...havia um fone em seus ouvidos.
Prossegui em direção ao cobrador e uma senhora sentada à cadeira próxima lhe perguntava em que ponto descer para encontrar uma lojinha perto do viaduto da Av Régis Pacheco. Eu atravessei a fala do cobrador e instruí a senhora que, por conseguinte, me retribuiu com um sorriso amistoso. Sentei-me, pois, adiante, ao lado esquerdo onde as janelas estavam escancaradas e a brisa adentrava-se presunçosa. Não havia ninguém ao meu lado. É curioso notar a disposição dos seres humanos que usam ônibus; sempre procuram um lugar em que ambos os assentos estejam vazios. Gostam da solidão e o olhar divagando sobre as janelas empoeiradas, “pensam na vida” com o silêncio fugidio interrompido pelo grosso barulho do motor do veiculo. Alguns sentem sono, outros saudade, já outros só observam enquanto muitos outros sonham. A fuga dos pensamentos é sempre boa, mas quando não possuem sentido ou lógica são ótimas.
Propositalmente olhei fixo para uma moça sentada do outro lado, mas na mesma direção, que deveria ter mais ou menos a mesma idade que eu. Tentei não olhar tanto, mas chamaram-me a atenção algumas falhas em seu couro cabeludo disfarçadas por um loiro, liso e ralo cabelo. Percebi que dois rapazes sentados atrás da moça cochichavam pelo mesmo motivo que chamara minha atenção. Tentei acordar do hipnotismo que me prendera à face fria, pálida e doente da jovem. Não consegui. Levantei-me num impulso curioso.
- Com licença, posso me sentar? – indaguei à moça.
-Ah sim, claro. – ela disse quase num sussurro.
Após uma breve apresentação formal e um silencio posterior instigante, eu disparei:
- Humm, não quero parecer inconveniente, mas eu estava observando você do outro lado – por um instante tive medo de ser intrometida, mas algo me impulsionava e quando eu menos esperava... – o que houve? Digo, você esta bem? – respirei num misto de alivio e culpa. Ela riu de canto.
- Eu tenho câncer. – eu não consegui uma feição assustada ou qualquer uma que demonstrasse o que realmente sentira. Saí de casa impregnada por um paradigma do meu mundo egoísta e meu pavor constante pelo calor e agora estava à frente de uma realidade bem mais ávida. – E você é a primeira pessoa “desconhecida” que me pergunta em vez de ficar só olhando meus poucos fios de cabelo na cabeça. – ela completou rindo de novo, eu assenti.
- Você se sente feliz? Tipo...apesar de tudo? – gaguejei.
- E você também acaba de ser a primeira pessoa que me pergunta isso me vez de “como vão as sessões de quimioterapia?” – ela parecia satisfeita com o subjetivismo de minhas perguntas, que para ela, eram incomuns. – Sou sim - disse complacente – o medo de não ter tempo para realizar tudo que quero, faz com que eu viva intensamente todos os dias. Ninguém vive aguardando uma morte acidental, ainda mais na minha e na sua idade – explicou pausadamente - mas eu aguardo a morte que, de fato, é prevista. E pode acreditar, isso me faz “ter pressa” em ser feliz.
Emudeci. Meus olhos ensopados com lágrimas teimosas diziam para a moça: “você tem toda razão”. E antes que eu pronunciasse algo, meu ponto chegou e eu tive que me levantar rapidamente.
- Até outro dia – disse.
- Até – o sorriso escondido nos lábios ressecados da jovem despontou lívido.
O forte odor de gordura que era expelido pela pastelaria em frente ao ponto de ônibus das minhas paradas cotidianas nem pareceu me incomodar, como de praxe. A realidade fria aquecera meu coração fútil. Vicissitudes; o nome que dou à fantástica mania que a vida tem de nos ensinar a viver.


Crônica que dedico a todos que anseiam a felicidade leve, boa e apaziguadora.

quarta-feira, agosto 12, 2009

O casual motivo de amar a arte.


Eu perderia qualquer desejo de viver se meu ser fosse condenado a morrer sem a luz dos palcos, sem o suor lívido na feição caricata e sem o lampejo dos mil desenhos no espaço formados pelas mãos em movimento. Não há lógica, fôlego, frenesi e nem luar para um ser mortal e vil que não saiba amar apaixonada e irrefutavelmente a arte.

A arte toca meus lábios gélidos com a ponta dos dedos como quem hipnotiza graciosamente esperando um sorriso de canto, desgrenhado e verdadeiro. E nesse emaranhado de sensações vejo-me perdida no brocardo de que a felicidade é para poucos. E os poucos são aqueles que vivem! E os que vivem, aqueles que fazem o que gostam, o que amam...e isso, definitivamente, não é laborioso trabalho. É sim, o brilho emitido pelos olhos pasmos, etéreos, cativos e relutantes. É o vigor que sobressai de uma quermesse sob o sol de um Sábado, é o solfejo das mais lindas juras de amor, é o sonho que sussurra as salvas de uma multidão posta de pé como humilde recompensa a corações latejantes, dóceis, honrados. É esquecer-se da mediocridade e dirigir-se cegamente ao revés do incomum, da falta de dinheiro; entretanto, da ausência de paz.

Calei-me pífia diante da desilusão ao perceber a paixão pela arte agonizando às benesses do descaso alheio, incompreensível. Debrucei-me sobre o medo quando vi o retrato real dos famigerados culturais e seus farsescos risos justificados pela falta de conteúdo, enquanto a sede pelo conhecimento ruge rigorosamente sobre os dias escassos. Minhas lágrimas, sobremaneira, têm a esperança intuitiva de encontrar o que procuro.

Podem roubar-me as forças, os bens...a juventude; mas nunca subtrair o fogo e a pólvora, cintilantes num triunfo de amar, incondicionalmente, a arte. Podem até condenar o que vivo como surreal, impróprio. Mas é encantador, inebriante e eficaz em convidar a felicidade para lapidar os dias comumente vazios e sem cor. A arte liberta o conhecimento abstrato e racional, claro e sombrio, lúcido e insano, altivo e melancólico, estonteante e arriscado...inteiramente voltado à graça que é viver.

sábado, abril 11, 2009

Tragédia.


A chuva parecia adormecê-la um pouco. Os olhos se entreabriam vagarosamente numa sensação ficta de cansaço e o cobertor pedia-lhe os pés. L sonhou com seu grande apartamento e a vista luxuosa obtida pelos metros de vidraça num formato côncavo próximo a sala de estar. Ela lia um livro que lhe arrancava um sorriso de canto e aquosidade nos olhos atentos e sutis quando alguém apareceu a pôs-se a delinear seus cabelos castanhos com as mãos. N vestia uma camisa branca bem passada e seu sorriso era tão alvo quanto aquela. Estava infalivelmente charmoso.
A decoração era poética, moderna, a via crucis da inveja mortal. Até as vestimentas de L e N contrastavam, reluziam com a penumbra que as lâmpadas causavam no gesso moldado do teto. N, encostando-se no enorme sofá Barddal bege escuro, fechou o livro em cuja apreciação de L debruçava e deu-lhe um beijo. O beijo, por sua vez, desmarcou a pagina do romance e marcou cada batida e respiração ofegante de L...parecia o primeiro contato dos dois; parecia o céu indeciso se era dia ou noite, parecia uma canção que nascia por si só, parecia um laço que desatava com o vento; parecia, e de fato havia cortina de fumaça delatando paixão incipiente nos botões descasados.
E mesmo nesse emaranhado de desejos N olhava para L como se a claridade saísse de dentro dele para dar vida a ela. Em forma de sussurro ela proferia: “te amo, sempre” e o fazia todas as noites antes de dormirem porque acreditava que os sonhos noturnos seriam melhores. Por conseguinte, a vida seria irrefutavelmente melhor. L assim agia mesmo quando a discórdia penetrava a mente e constituía mazela...mas suas palavras salvavam as manhãs em que o perdão apresentava-se nas emoções adeptas ao welcome.
Naquela noite, dormiram após conversarem e gargalharem ao dispor sobre as lembranças da vida. A face de L sobrepunha-se ao peitoral de N e uma das pontas do lençol arrastava-se pelo piso artesanal do quarto. Os perfumes se confundiam, o relógio poderia parar, entretanto, corria impiedosamente.
O telefone pôs-se a tocar e L tomou um susto; acordou e ainda possuía o romance sobre o seio. Na linha falava alguém do hospital chamando-a com urgência. O sonho bom esvaiu-se de sua mente quando, chegando ao hospital, presenciou N vestido com camisa branca ensangüentada, em estado inconsciente e mãos frias. Sentiu-se impotente diante de tal circunstância e aguardou revoltosamente por respostas. Horas depois, recebeu a noticia de que N falecera. L sonharia, a partir de então, a mesma coisa todos os dias até que as manhãs a dissessem que logo logo chegaria o momento de dormir novamente.

sábado, março 14, 2009

Caso pra contar.


M. um dia deferiu o pedido de R. Respirou fundo numa noite estranha em que a lua era crescente e o vento de primavera. Engraçado é que seu coração sorria estupefado enquanto as mãos suavam; o ventre se contorcia num “quente-frio” estonteante no mesmo instante em que seus olhos brilhavam. Os tempos se resumiram em incertezas, frenesi, depois certezas, detalhes, crise, festa, depois lágrimas, incertezas ressurgentes, saudade, sempre saudade, certezas absolutas...e por ai foi. O certo de todo ato, por mais duvidoso que fosse é que havia amor. Amor daqueles para arquivar, documentar, fotografar, contar aos outros, musicar, dançar, pintar, rir e chorar. M era moça que não fazia esforço pra encantar, e ela sabia disso... atrás da fragilidade e indecisão existia uma personalidade notável. R sabia que podia e tinha o poder de fazê-la feliz... atraente, inteligente e tão diferente dos outros seres humanos mortais que M assim o identificou na primeira vez que se olharam nos olhos. Havia um “Q” a mais nos dois, eu vi que havia.
Intrigante como existia trilha sonora para os fatos narrados e vivenciados por M e R. Espetacular ver o compasso dessa dança...a musica no silêncio, o sorriso desses olhos, o tremular desses lábios, a luz desses entremeios escuros, as flores e frutos dessa terra seca... Onde nada havia, suas mãos construíam, suas vidas se encontravam e suas almas decoravam o tempo e o espaço de cativantes enfeites. Uma vez até peguei uma nuvem seguindo-os para protegê-los do sol; e um dia que a chuva os pegou para tornar o momento especial!? Outra vez foi Felicidade me contando segredos até do futuro deles... desceram-me lágrimas e com elas, aquele riso que ofega a respiração.
Já peguei M chorando algumas noites de saudade, de amor, de preocupação... o consolo era que pela manha a primeira coisa que ela fazia era pedir ao vento que deixasse o recado na porta de R de que ela o amava. R sempre desejava a felicidade, o sorriso e a paz de M... fiquei inepta quando presenciei o cuidado que ele dedicava a ela. A verdade é que sempre foi metafísico e assim seria sempre. E ainda há aqueles que não acreditam no amor... bastaria estar um dia nos pensamentos de M ou R para crer.
Flagra: M escrevendo crônicas e uma insistente onda de insatisfação rondando seus sentimentos...ela sabia que era preciso mudar o rumo das coisas, que era preciso estar por perto dele. R resguarda bem suas sensações...mas vi em M que ele precisava ser acolhido pelas promessas da vida. Qual o próximo capitulo? Certamente algum que terá como desfecho o grande mistério e o real paradoxo da vida: a dor que cura, o barulho que silencia e o vento que paralisa... amor em todas as suas formas e conjugações.


sábado, janeiro 24, 2009

Presciência


23 de março de 2009, 7 da manha. O céu estava nublado e mesmo assim no meu sorriso era verão. Sorri antes mesmo de abrir os olhos porque sabia que estava em outro lugar...atrás da janela não havia mais um muro e as paredes do cômodo não eram mais verdes. Custei a compreender.
Senti rapidamente a conseqüência de saltar na vida; queria visitar Paris e morar em Nova York, um pouco menos de 5 anos...ate acordar, me sentir feliz por estar num outro lugar e desejar ir a lua, quem sabe. Depois do sobressalto, levantei-me para começar o dia. Fiquei confusa por não encontrar os objetos nos lugares de costume, mas senti-me bem com as mudanças...havia coisas para chamar de “minhas”, lugares para chamar de meus, amigos por perto, uma historia surreal de um casal apaixonado em cujo protagonismo eu me encaixava...uma varanda pra ver a vida em sua mais real efervescência, cores, sons..evidências. Chegava a hora do pensamento de praxe, a “oração” matutina de meus desejos: deixar de batalhar por uma vida-ideal-world business-super-um-saco e querer ver no que dá apostar na simples e sensata vontade de ser feliz. Viver a “realidade” é um preço que se transformou num masoquismo social... Todo mundo deixa de fazer o que gosta e o que sabe pra sobreviver, inclusive eu. Entretanto, estava eu ali disposta a mudar. Tá que mudanças nunca foram meu forte, eu sempre tremi as pernas com isso, mas também sempre fui consciente de que o caminho da mediocridade não era meu e nem nunca será.
Lá fui eu passar o dia num farsesco ambiente que rege a vida e o modo de produção do nosso século...eu sempre tive um “Q” de admiração pelo marxismo..não estranhem se eu disser que o trabalho assalariado não dignifica, mas isso a gente conversa depois. Mas enfim, “paguei a língua” indo trabalhar no ícone do capitalismo e o pior, vicei no meu trabalho. Passaram-se as horas, as pessoas novas, o ambiente novo e eu saí de la respirando o ar que almejava, o ambiente que almejava... as companhias que almejava. Era um emaranhado de coisas perfeitas, coisas difíceis, mas repito, perfeitas.
Ainda era período de férias universitárias...estaria de volta apenas em Julho e, por conseguinte, a noite estava livre. O dia terminaria com toda certeza e intensa presciência, com um beijo de boa noite no ícone dos meus esforços e amores. Dessa vez não seria um adeus..aliás, jamais seria adeus, não novamente.
24 de Janeiro de 2009, 7 da manhã. O céu estava nublado e os olhos cheios de lagrimas. Vi o muro atrás da janela e as paredes do cômodo eram verdes. Não foi um sonho, foi o futuro.